Faz quase um ano que concedi a entrevista abaixo para o Jornal Tribuna do Norte. Os dados divulgados na última sexta-feira pelo IBGE sobre o PIB do RN em 2010 reforçam o que disse 12 meses atrás. Repetiria tudo hoje sem tirar uma vírgula.
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Entrevista a Renata Moura - Editora de Economia do Jornal Tribuna do Norte
No
período de oito anos compreendidos entre 1995 e 2002, nenhum estado do
Nordeste e nem o país cresceram tanto quanto o Rio Grande do Norte.
Enquanto o estado avançou 24,51% no período, vizinhos como o Ceará e
Pernambuco nem sequer alcançaram o patamar de 15%. Boa parte da expansão
da economia potiguar era creditada ao desenvolvimento da indústria do
petróleo. Com a queda na produção em decorrência do amadurecimento dos
campos, a indústria, porém, perdeu força. Outras atividades econômicas
de peso desaceleraram e o resultado dessa equação foi uma inesperada
marcha lenta para o RN. Para se ter ideia de como o estado passou de
protagonista à coadjuvante na região, o crescimento registrado entre
2002 e 2009 ficou na casa dos 24,60%. Enquanto isso, o de Pernambuco,
por exemplo, dobrou. O do Piauí mais que triplicou. Todos os outros
estados se expandiram mais que o RN. Para o economista e chefe do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no estado (IBGE RN),
José Aldemir Freire, investimentos realizados nos vizinhos e
deficiências na infraestrutura potiguar estão entre as possíveis razões
para a perda de ritmo. Nesta entrevista, ele faz uma análise de
indicadores recentes e, mais do que isso, aponta desafios que o estado
terá de vencer para retomar posição de destaque, num cenário regional
cada vez mais dinâmico. Freire também observa que o crescimento, embora
abaixo dos demais estados, ficou socialmente mais juto. Como houve
também essa transformação, ele comenta a seguir. Confira a entrevista:
aldair dantasJosé Aldemir Freire, economista e chefe do IBGE no RN
Fazendo
uma retrospectiva além de 2011, temos dados que mostram desaceleração
da economia do Rio Grande do Norte. Que análise é possível fazer dos
últimos anos?
De 1985 até o início dos anos 2000, a
tendência da economia do Rio Grande do Norte foi crescer mais do que a
economia brasileira e mais do que a economia nordestina. Isso porque
nesse período houve a expansão da indústria do petróleo no estado, da
fruticultura irrigada, com frutas como melão, e de setores como a
indústria têxtil. A partir do início dos anos 2000 não é que o ritmo de
crescimento desacelerou. Nosso ritmo de crescimento ao final da década
de 2000, em 2007, 2008, 2009 (o de 2009 foi divulgado na última semana) é
mais acelerado que no início da década, mas passamos a ter uma dinâmica
de crescimento inferior à média nacional e do Nordeste. Não é que
estejamos crescendo menos do que estávamos. Estamos crescendo mais. Mas a
economia brasileira e a nordestina aceleraram mais.
Por que a marcha lenta em relação a outros Estados?
Uma
das razões para isso está no esgotamento da economia do petróleo. Desde
meados da década o estado vem produzindo cada vez menos petróleo. Este
ano há sinais de leve recuperação. O cultivo de camarão também perdeu
força. Além disso, você teve no país uma série de grandes investimentos
em infraestrutura que não tivemos no RN. Você tem investimentos ligados
ao pré-sal, outros nos portos de Suape (PE) e Pecém (CE), que estão
transformando esses estados em pólos econômicos maiores. Tem também a
construção da ferrovia Transnordestina (que pretende ligar os portos de
Suape a Pecém. Tudo em outros estados. Você teve desenvolvimento do
Oeste da Bahia, no Sul do Piauí, no Maranhão. Todos se desenvolveram
nessa década. Foram economias que se expandiram nesse período no
Nordeste e que puxaram a economia da região.
Por que o Rio Grande do Norte não acompanhou esse movimento?
O
RN cresceu. Aumentou o ritmo de crescimento comparado ao início da
década. Mas houve investimentos estruturais em outros estados que
acabaram puxando mais esse crescimento do que o nosso. Mas há uma
diferença entre nosso crescimento pós anos 2000 e o que tínhamos antes. É
que ele passou a ser melhor distribuidor de renda. Tivemos um
crescimento antes dos anos 2000 puxado muito pela produção (em grande
parte pela produção de petróleo), mas bastante concentrador de renda.
De 2002 ou 2003 para cá o que se tem é um crescimento puxado pelo
consumo e equitativamente mais justo. É tanto que apesar de os
indicadores de concentração de renda permanecerm altos, essa
concentração de renda diminuiu. E diminuíram os indicadores de pobreza.
Então o padrão de crescimento agora, desse ponto de vista, é melhor.
Mudou o padrão de setores que puxam a economia. A economia passa a ser
puxada por setores associadaos à demanda, à credito, à renda (como são
os casos do comércioe da construção civil). Temos um padrão de
crescimento mais desconcentrador de renda. E socialmente mais justo.
Mas
quando se fala em tantos investimentos em outros Estados, a impressão
que se tem é que o RN ficou estático, enquanto os outros se moviam. Por
que o Estado não acompanhou essa dinâmica de investimentos necessários
em infraestrutura, que estão transformando esses outros Estados em polos
de crescimento?
Na verdade, tivemos alguns investimentos,
como a duplicação da BR 101, a expansão da refinaria em Guamaré,
instalação de algumas indústrias. Mas fora isso você não consegue
visualizar como visualiza em Pernambuco, por exemplo. Em Pernambuco você
visualiza uma leva de investimentos associados à Suape, a refinaria,
uma série de indústrias para atender a região Nordeste. Um exemplo disso
você nos supermercados, onde a maior dos os alimentos industrializados
vem de Pernambuco. A mesma coisa aconteceu no Ceará. De fato, ficamos
sem esses investimentos estruturantes.
É
falta de investimento em infraestrutura que está deixando o RN para
trás na captação de grandes investimentos, é falta de agressividade na
concessão de incentivos? O que está faltando?
Em parte é
falta de infraestrutura. Umas das razões alegadas para termos perdido a
refinaria foi a falta de um porto. Temos um porto, mas não é
competitivo. Outro fator é que as economias de Recife, Fortaleza e
Salvador são mais robustas. Do ponto de vista lógico, do empreendedor, é
melhor instalar uma indústria perto de Recife, perto do mercado
consumidor, e transferir para cá apenas uma pequena parte da produção,
do que instalar aqui, vender só uma parte aqui e transferir para lá
grande parte da produção. Os custos dele com deslocamento seriam
maiores. Seria preciso ter vantagens para reduzir esse custo de
deslocamento. Essas economias lá (de outros estados) são mais dinâmicas
pela própria estrutura que elas têm. Para a Bahia foram indústrias
automobilísticas. Maranhão, Piauí estão crescendo na produção de grãos.
Há fatores que impulsionam essas economias que são recursos naturais,
outros são de infraestrutura. Acho que a questão é mais estruturante.
Mas para os próximos anos você vê alguns reforços no RN: os
investimentos em energia eólica e o aeroporto, por exemplo. Temos também
algumas grandes lutas do ponto de vista estruturante.
Por exemplo?
A
duplicação da BR que vai a Fortaleza, transformar o aeroporto de São
Gonçalo em mais que um aeroporto de passageiros. A questão do porto é
outra. O Porto aqui dentro da cidade é inviável. E não adianta
expandi-lo para a outra margem do rio. Há questões ambientais
envolvidas. Outra: os portos do Nordeste que se desenvolveram
recentemente foram construídos fora da área urbana. Não faz sentido
reforçar esse porto. Ele deveria se converter num porto para navios
turísticos e o porto de cargas iria para o interior, mais perto das
regiões produtivas. E aí você construiria uma malha ferroviária para
esse porto. Há uma ideia em Natal de construir malha ferroviária ligando
o porto ao aeroporto de São Gonçalo do Amarante. Eu sempre ouvi dizer
que carga ferroviária é competitiva a longas distâncias. Com grandes
volumes. Para que construir essa ligação? É inviável. Eu acho que há uma
indefinição grande por parte dos gestores públicos sobre o que se quer
em porto, aeroporto e ferrovia. E não estou me reportando só a esse
governo..É preciso definir aonde quero um porto, que áreas serão
interligadas pela linha ferroviária pela qual vou lutar. É preciso
definir quais são as grandes obras estruturantes que o estado precisa.
Não pode ficar com mais de uma proposta. Não pode haver indefinição
nisso. Temos vários planos de desenvolvimento regionais, cada um com uma
ideia. E não se tem um esforço conjunto por essa infraestrutura. Do
ponto de vista estruturante a grande batalha da década seria o reforço
da malha logística do estado.
Você
falou de atividades e deficiências que fizeram com que a economia
potiguar caminhasse mais lentamente, mas em 2011 tivemos também alguns
fatores externos como a crise global e inflação. Qual é o balanço do
ano? Como esses fatores externos impactaram a economia potiguar?
Nós
crescemos hoje seguindo a dinâmica nacional. Em 2010 crescemos muito.
Não temos os dados do PIB do ano ainda, mas devemos ter crescido e torno
de 7%, como cresceu o Brasil. Nacionalmente, a economia em 2011 deu uma
desacelerada, ocasionada sobretudo pelas políticas de contenção ao
crédito e aumento de juros que visaram justamente combater a ameaça de
inflação. Isso acabou afetando nossa economia. Desaceleramos. Vamos
crescer provavelmente no ritmo nacional, metade ou menos do que
crescemos em 2010. O único setor que foi bem no RN foi a agropecuária,
porque 2010 foi ano de seca e neste ano foi diferente. Mas o peso da
atividade no estado é pequeno. Bom, a produção de petróleo também parou
de cair. Mas o comércio desacelerou - embora alguns setores estejam
crescendo, como a parte de smartphones, tablets e notebooks. A
construção foi outra que deu uma desacelerada. Você já não vê uma
efervescência de lançametos como há alguns nos. As exportações estão no
mesmo patamar de 2010. O emprego cresce em ritmo menor. No geral, quando
se olha para 2011, se vê nitidamente a desaceleração no RN,
acompanhando a desaceleração da economia brasileira. Em 2012, embora
ainda seja incerto por causa da crise global, estaremos pelo menos no
ritmo de 2011, na faixa de 3%. Uma aceleração deve vir em 2013 e 2014.
O
Rio Grande do Norte vem experimentando um crescimento muito baseado na
indústria eólica, nos últimos dois anos. Mas esse crescimento é
sustentável?
A energia eólica não vai se transformar no
motor do desenvolvimento do RN. É diferente da economia do petróleo que
se instala e fica por muitos anos com capacidade grande de geração de
riqueza. No caso das eólicas ficamos com a parte menos nobre das
indústrias: ficamos com os parques eólicos. A parte mais nobre é a de
produção de equipamentos para essa indústria. Aí você não dependeria da
implantação de parques aqui. Você teria o mundo inteiro como mercado. Mas a
infraestrutura nos faltaria também para isso. A indústria iria exportar
por onde? Pelo nosso porto? É uma dificuldade porque o porto está
dentro da cidade. Hoje temos um boom de investimentos associado aos
parques eólicos, mas depois o impacto na economia deixa de ser
expressivo. Eles não geram, por exemplo, muitos empregos após as obras.
Em algum momento o setor vai perder o seu dinamismo. E os maiores
impactos vão ocorrer nos municípios que estão recebendo as construções.
Mas vamos aproveitar o momento (de boom) que temos agora.
Dados
recentes do PIB e sobre pobreza mostram que o Estado tem municípios
ricos (como os produtores de petróleo, que têm recebido também
investimentos na área de energia), mas com populações pobres. Por que
esse descompasso?Nossos municípios não prepararam suas
populações para se inserirem nessas economias. Ou prepararam para serem
peões da construção civil e das usinas eólicas. Em Guamaré, por exemplo,
quem trabalha na Petrobras é gente de fora ou de Natal. Os municípios
não criaram condições para suas populações competirem em igualdade com
os forasteiros. Isso leva a uma situação esdrúxula em que há um
município rico com uma população pobre.
Em meio a esse cenário de perda de fôlego do Estado, houve avanços também?
Tivemos
ganhos nesse período. Tivemos um avanço significativo na redução da
desigualdade social, tivemos avanço significativo na redução da pobreza,
tivemos aumento de renda da população, melhoria na educação, no acesso a
energia, ao saneamento básico. O RN de hoje é melhor que o de 10 anos
atrás. Os indicadores sociais e econômicos apontam isso. Mas essa
melhoria poderia ser acelerada, poderia ser melhorada, se
equacionassemos as nossas deficiências estruturais. Sem infraestrutura o
estado continuará crescendo menos que os outros estados. A
Infraestrutura é fundamental. E é um nó que impede o crescimento mais
rápido do RN.